segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Para quê serve a crítica?


O suplemento literário do New York Times é, claramente, a mais fraca da cobertura cultural do poderoso jornal. É inconsistente e previsível, quando não absurdamente mal escrito. Há momentos luminosos, mas é sempre uma leitura superficial e rasteira. O problema talvez seja mais do péssimo momento literário estadunidense. Se Philip Roth, um ótimo autor cujos novos livros sempre leio, tivesse publicado nas décadas de 1940-60 dos EUA, ele seria claramente um escritor de terceira linha. O que não é ruim, de forma alguma, nem diminui a argúcia de Roth: apenas indica como a arte literária estadunidense era elevada, inclusive no romance de entretenimento policial, naquele período. Foi a Era de Ouro da literatura estadunidense. Os críticos do NYT têm que se virar com que existe no mercado editorial deles, e uma vez que os EUA não traduzem, os críticos vivem com as mãos atadas.
No entanto, o recente especial Why criticism matters do NYT foi interessante. Li todos os artigos com atenção. É um investimento inesperado e excêntrico dos editores do jornal. Escrevo resenhas de livros a uma década. E a cada vez que escrevo uma resenha, sempre me surge a questão da utilidade daquilo. A resposta padrão seria “ajudar na discussão cultural, separar o joio do trigo no caos contemporâneo” e um longo etcétera. Essa resposta não me satisfaz porque não reflete realmente o que penso quando escrevo uma resenha. Desde que li o especial ponderei sobre essa atividade que exerço por uma década já, e é realmente difícil determinar uma razão, um motivo e uma missão para a crítica. Cada resenha me parece muito particular.
O ponto de partida é factual: lê-se de forma diferente quando a intenção é escrever uma crítica. A relação que se tem com o livro determina o lugar de onde se lê esse livro, e a relação de um crítico com o livro é sempre frustrante porque um bom livro provoca muitas possibilidades de leituras, dezenas de fios possíveis. Então, é necessário escolher um impulso essencial. Há críticos que querem educar e gerar conhecimento, iluminar os leitores; outros que possuem uma agenda secreta e escrevem em jornais com imensa circulação para duas ou três pessoas; alguns desejam a comunhão, se integrar com certo grupo, e suas resenhas parecem propostas de namoro. Eu sempre desejei que o livro fosse lido. Parto desse ponto: quero seduzir o leitor a ler o livro porque esse livro me importa. Isso sempre limitou a imensa maioria de minhas resenhas à um grupo muito limitado de possibilidades porque o mercado editorial brasileiro publica muita coisa chata. Mas essa escolha tornou minha atividade de crítico uma festas sem fim: escrever apenas sobre o que gosto. Minha posição de crítico é hedonista: o que eu gosto e me dá prazer. E tento passar esse entusiasmo ao leitor.
Essa escolha pelo prazer, no entanto, entra em tensão com o caráter mais básico do jornalismo: informar. A posição do jornalismo hoje é completamente fragilizada pelo excesso do mundo contemporâneo: tudo é demais. Vivemos mergulhados, quando citadinos, em uma maré de estímulos. A informação hoje está disseminada (não digo democratizada, o que não é verdade), e o jornalismo parece confuso diante desse universo de coisas ágeis e frenéticas. O jornalismo cultural, principalmente, parece não se encontrar com muita facilidade. O jornalista que dá todas as coordenadas ao seu leitor, que informa datas de nascimento, que se limita a informar detalhes que o leitor pode encontrar em excesso em menos de um segundo em qualquer sistema de busca da internet, esse jornalista está à deriva. O leitor que se debruça sobre um suplemento literário tem acesso à toda essa informação, e suspeito que boa parte dos suplementos se tornaram obsoletos porque os críticos e jornalistas escrevem textos que são abertamente redundantes. Pode parecer equivocado, mas a função do crítico não é mais informar: é contagiar.
Sempre me pareceu contraditória a posição de objetividade do jornalista cultural: textos frios e calculados, com frases papai-e-mamãe, apegados aos famosos leads, etcétera. Livros provocam emoção – mesmo que seja de natureza racional. “O que pensa em mim está sentindo”, escreveu o poeta, e há insuspeitado Eros inclusive no onanista catedrático. O que me espanta é a luta dos suplementos para retirar toda e qualquer sombra de prazer de seus textos. É impossível escrever sobre livros ou cinema sem o uso de adjetivos, porque somente prazeres cínicos vêm desacompanhados; e toda essa assepsia provoca o estado das resenhas atuais: o medo do advérbio, a obsessão pelo ponto-final, o terror ao ponto-e-vírgula, o exílio do travessão. Correção, estoicismo, total bons-modos à mesa: e um total desinteresse do público ao que os suplementos oferecem.
É por isso que acredito ser a função do jornalismo cultural, e da crítica literária, contagiar e entreter. Contagiar, porque tem carga emocional, porque leva o público ao livro, porque encontra formas de transformar a literatura (ou cinema) de objeto à instrumento. E entreter porque deve ser escrita de forma a roubar o foco do leitor para o texto: seja pelo adjetivo bizarro, pela sintaxe maliciosa, o texto deve sempre colocar o leitor numa posição de se perguntar sobre o quê, afinal, está lendo. E deve entreter porque ninguém deveria ocupar o espaço público para entediar as pessoas. Como o século passado foi o século que encontrou seu maior vilão na “massa”, os abundantes pernósticos de plantão foram velozes em criar uma separação que nunca existiu antes na história cultural: cultura de massa e cultura “cultura”. Poucas palavras foram tão degradadas quanto entretenimento, a ponto de hoje ser quase um xingamento. Qualquer artista hoje em dia tem horror a dizer que quer entreter as pessoas (até mesmo pelo simples fato de que, no fundo, não deve possuir o domínio técnico e a argúcia necessários para raptar a atenção da audiência e/ou leitor). E creio que a função da crítica é apenas essa: raptar essas mentes, contagiá-las com emoção e idéias, e devolvê-las ao mundo com algum enlevo estético.
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sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Obras fundamentais sobre a produção contemporânea, no entanto, chegam atrasadas ao país




Finalmente, dois livros fundamentais sobre a produção contemporânea em artes plásticas são publicados no Brasil: "Estética Relacional", de 1998, e "Pós-Produção", de 2004, ambos do crítico e curador francês Nicolas Bourriaud.





O primeiro, já um clássico, é dos poucos livros que olha a produção dos anos 90 sem preconceito, por alguém que acompanhou de perto toda uma geração, especialmente como curador, e conseguiu traçar linhas comuns. No geral, livros com tal ambição estão mais ocupados em detratar a arte contemporânea em vez de compreendê-la.Em 1998, Bourriaud partiu de um grupo de artistas, hoje quase todos estrelas de grandes mostras ou bienais, como Dominique Gonzalez-Foerster, Pierre Huyghe, Rirkrit Tiravanija e Maurizio Cattelan, e percebeu que, em todos, a ideia de arte como um campo de trocas é comum. Com isso, o crítico francês chegou à definição da estética relacional como "uma arte que toma como horizonte teórico a esfera das relações humanas e seu contexto social mais do que a afirmação de um espaço simbólico autônomo e privado".Tal conceituação amparou-se ainda na produção de artistas que se tornaram referência nos anos 90, como o cubano Felix Gonzalez-Torres, e os americanos Gordon Matta-Clark e Dan Graham, entre outros.Não à toa Bourriaud foi um dos conferencistas da 27ª Bienal de São Paulo, "Como Viver Junto", de 2006, que exibiu vários dos artistas abordados em "Estética Relacional". Centrada nas ideias de Hélio Oiticica, contudo, a própria Bienal tornou clara uma das deficiências centrais da produção de Bourriaud -seu total desconhecimento da obra de Oiticica, um precursor da arte como estado de encontro, um dos pilares da estética relacional.Já o livro "Pós-Produção", mais recente, continua o raciocínio de "Estética Relacional" sob nova ótica. Enquanto no primeiro volume o foco está no aspecto de convivência e interação da arte contemporânea, o segundo trata das formas de saber que constituem essa produção, especialmente aquelas vinculadas à estrutura em rede da internet, que geram um infinito campo de pesquisa para os artistas.Reorganizar elementosAssim, as práticas contemporâneas não estariam mais preocupadas com a ideia de original, singular, e sim em como reorganizar elementos já existentes, dando a eles novos sentidos, o que, obviamente, tem uma relação forte com os "ready-mades" de Marcel Duchamp, cuja "virtude primordial", segundo o autor, é o estabelecimento de "uma equivalência entre escolher e fabricar, entre consumir e produzir".Esse procedimento pós-produtivo, então, seria a marca fundamental do processo de produção contemporâneo. Essas ideias de Bourriaud, contudo, já fazem parte da recente historiografia da arte contemporânea e influenciaram a organização de várias mostras pelo mundo. Aqui elas chegam um tanto atrasadas.Tanto que, há duas semanas, o próprio Bourriaud encerrou sua curadoria na Trienal da Tate, denominada "Altermodern", criando aí uma nova forma de pensar a produção contemporânea.Não há dúvida de que Bourriaud é dos poucos que não têm medo de pensar a arte hoje. A questão é que ele transforma sua reflexão na mesma velocidade das estações de moda o que, afinal, é mesmo um sintoma desses tempos.

domingo, 27 de junho de 2010

Próximo evento do grupo será dia 21/08/2010 às 17hs no CEU Alvarenga. Esse evento consta em mostrar o processo do video dança realizado pelo núcleo e palestra.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Breve olhar sobre a linguagem incipiente da Vídeo-Dança



No entrecruzamento de duas linguagens artísticas , a Dança e o Áudio-Visual, surge uma nova estética e uma forma peculiar de utilização desses dois elementos.
Não que já não haja elementos comuns as estas duas expressões. Ambas tem na mese-scene uma ferramenta importante na sua realização.

Na contemporaneidade as linguagens artísticas já não tem fronteiras muito definidas e a mescla e intertextualidade entre elas torna-se um recurso freqüente, ao ponto de quase estabelecer um padrão e uma regra para os trabalhos artísticos que procuram se pensar atualizados.

Ainda que admita resquícios desse procedimento já a algum tempo, pelo menos desde o advento da ópera, que mescla música, teatro e dança, para falar o mínimo.

Se pensamos em Wagner e seu ímpeto de realizar uma “Arte Total” uma obra que abarcaria todas as expressões possíveis , da pintura à literatura, passando pelos elementos orais da arte através da lendas tradicionais e da mitologia, veríamos que essa inquietação produzia efeitos expressivos.



UMA TRADIÇÃO ANTIGA

Nessa própria ânsia de parecer novo há um velho paradoxo do Modernismo, que fez da busca pelo novo a mola-propulsora dos seus principais movimentos de vanguarda: Impressionismo, Surrealismo, Futurismo, Expressionismo, todos esses ismos tinham em comum um elemento de ruptura com uma velha estética e a introdução de um novo olhar para o modo de se produzir arte.
Já seu impacto no modo como essa arte seria vista e recepcionada teria que esperar por um público menos escandalizado .

quarta-feira, 16 de junho de 2010


O Núcleo EXPRESSÕES realiza as pesquisas por meio de vivências e experimentações na linguagem Híbrida da Video-dança. 
As relações com outras linguagens como Literatura, artes-plásticas e Novas-Mídias são uma preocupação em nossos trabalhos. O grupo desenvolve projetos e pesquisas que resultam em material apresentados em videos, palestras, performances e workshops nos diversos espaços que temos parcerias:
CEU ALVARENGA, JAMAC e GALERIA OLIDO entre outros.




Laboratorio de Video-Dança em nosso Estudio para a realizaçao do video AURORA primeiro dos 4 trabalhos do projeto EM MOVIMENTO contemplado pelo programa VAI.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Preço da ARTE


Nova York, setembro de 2008: estoura a bolha do crédito americano. O anúncio da falência da empresa financeira Lehman Brothers culminou numa recessão econômica mundial. Londres, setembro de 2008: por US$ 15 milhões é vendida a obra Bezerro de Ouro, do britânico Damien Hirst, na casa de leilões Sotheby’s. A peça expõe um animal morto e mantido sob formol adornado com chifres e patas de ouro 18 quilates. O leilão foi assistido por milhares de visitantes e massivamente comentado, fechando em US$ 198 milhões em apenas dois dias. Um sucesso muito além das expectativas: quebrou o recorde de vendas para um leilão de um único artista. O momento marcou o início de uma crise econômica global e também, profundamente, o mercado da arte contemporânea, levantando a questão: qual é o valor da arte?




No dicionário, arte é definida como “a expressão ou a aplicação de habilidade criativa e imaginação humana, tipicamente em uma forma visual, tais como pintura ou escultura, produzindo trabalhos para serem apreciados principalmente por sua beleza e poder emocional”. Uma explicação aberta a diversas interpretações.



Muitas vezes, ao visitarmos exposições, nos perguntamos se as obras seriam mesmo dignas de apreciação por sua beleza. Por vezes, fica difícil saber o que é arte. A compreensão de uma obra, por seu poder estético ou emocional, está muito ligada à interpretação individual, que pode ser influenciada por preferências pessoais, pela crítica ou pela mídia em geral. Entretanto, sua valorização monetária tem razões abstratas e coloca cada vez mais em questão o significado das manifestações artísticas. Após o leilão de Hirst, o respeitado jornal britânico The Guardian publicou crítica em que afirmava: “Damien Hirst é uma marca, porque a forma de arte do século 21 é o marketing”.



O mercado viu preços astronômicos serem alcançados desde 2006. Em seu ápice, entre 2007 e 2008, compradores pagaram US$ 19,3 milhões pela Cabine de pílulas de Hirst ou telas rasgadas como Concetto Spaziale, la Fine di Dio, de Lúcio Fontana; US$ 23,6 milhões por um enorme coração brilhante com laços dourados do americano Jeff Koons; US$ 72 milhões por uma impressão em tela de dois carros em colisão de Andy Warhol; US$ 73 milhões pela obra simplista White Center de Mark Rothko e US$ 86 milhões pelo Triptych de Francis Bacon. Mas o recorde pago por uma obra de arte foi para Jackson Pollock com o trabalho n. º 5, 1948, vendido por US$ 140 milhões em 2006.



Estes artistas foram extremamente valorizados, alguns se tornaram mitos, seja por suas habilidades artísticas, seja obras polêmicas, alto investimento financeiro ou grande atenção da mídia. Premiações britânicas como o Turner e programas de TV também impulsionaram o valor de suas produções. Porém, os elevados preços podem acabar, em sentido inverso, destruindo seus significados, reduzindo-os a símbolos do excesso.



A valorização de obras de arte segue algumas regras em que beleza ou emoção parecem não ser o mais importante. “E talento não é requisito para valorização, infelizmente”, comentou o artista plástico Bernardo Pitanguy. Sobre o valor de uma obra, completou: “Alguns trabalhos chegam a preços milionários devido a preferência de um define grupo disposto a comprá-las. O que determina um objeto como obra de arte é o público”. Outra regra lembrada por Pitanguy é sobre o valor que o tempo tem para a arte. “Não se pagam altos valores por obras novas, geralmente elas têm um tempo de vida e uma história até chegarem a ser valorizadas.”



JOVENS ARTISTAS BRITÂNICOS

A geração de jovens artistas britânicos megavalorizados apareceu no início dos anos 1990, sacudindo o mundo com escândalos. Artistas como Tracey Emin, Sarah Lucas ou Marcus Harvey vieram para desafiar o conceito de arte e levantar a questão sobre o significado de expressões artísticas. Obras como Minha cama de Emin, que traz uma cama de casal desarrumada e rodeada por camisinhas usadas, lubrificantes e cinzas de cigarro, ou a tábua com dois ovos fritos e um kebab, de Lucas, que causou controvérsia quanto à nudez feminina, fazem este questionamento.



Entre os artistas desta geração, nenhum foi mais comentado que o homem que apresentou ao mundo um tubarão preservado no formol em uma vitrine como nova forma de arte: Hirst, 44 anos, ficou conhecido por trabalhos que tinham a morte como tema central. Obras utilizando outros bichos no formol (vaca, ovelha e zebra) marcaram época. Em 2007, o artista apresentou uma caveira coberta com diamantes, que custou US$ 21 milhões para ser executada. O valor artístico de sua produção sempre foi muito questionado, assim como as altas cifras alcançadas pela venda de seus trabalhos. Apontado na lista anual do jornal inglês The Sunday Times dedicada aos mais endinheirados, sem dúvida Hirst é o artista britânico mais rico da atualidade, com fortuna estimada em US$ 330 milhões. “Sempre achei que dinheiro é uma ferramenta fantástica para fazer as pessoas levarem você a sério. Assim como os idiomas são algo esplêndido, o dinheiro é como uma chave. Uma chave para o mundo”, afirmou Hirst. “Algo que adorei depois do leilão (em 2008) foi andar no centro comercial de Londres e ser reconhecido por homens de negócios. Eu nunca tive isso antes”.



Mas qual o segredo de tanto sucesso? Os bastidores do prestígio da geração de jovens artistas britânicos ajuda a entender a questão. O milionário colecionador árabe Charles Saatchi, dono de uma galeria de arte em Londres que leva seu sobrenome, foi forte patrocinador desta geração. Saatchi conheceu Hirst durante a modesta exposição Freeze (1991) e encantou-se com a primeira instalação “animal” do artista, em que larvas e moscas rodeavam a cabeça de uma vaca em decomposição dentro de um enorme contêiner de vidro. Ele comprou a obra e virou o principal colecionar de Hirst, além de patrocinador do que veio a ser chamado mais à frente de YBA [sigla em inglês para jovens artistas britânicos]. As compras de Saatchi influenciaram fortemente os altos e baixos do mercado da arte inglesa. Havia grande visibilidade dos trabalhos pelos quais ele se interessasse, motivo de disparo de preços e forte especulação. Em entrevista recente, o homem responsável pela inflação de preços no mercado da arte contemporânea nos últimos dez anos disse que nunca pensa no mercado antes de comprar novas obras e aceita ser o responsável pela especulação de preços. “Artistas precisam de muitos colecionadores, de todos os tipos, comprando suas obras de arte”, comentou. “Às vezes, você tem que comprar arte que não tem valor nenhum para ninguém, mas sim para você, porque você gosta e acredita na obra.”



Hans Ulrich Obrist, curador da charmosa Galeria Serpentine, em Londres, e eleito em 2009 a pessoa mais influente no mundo da arte pela revista Art Review, acredita que os grandes artistas sempre mudam o que se espera da arte. “Há o famoso fator ‘surpreenda-me’. A palavra ‘contemporâneo’ vem do latim ‘contemporanius’, que significa ‘com o tempo’. O que fica sugerido é uma pluralidade de temporalidades que atravessam o espaço e continuam até hoje em escala global.” Obrist alertou também sobre o perigo que existe para o que chama de “homogeneização de práticas”, onde a diferença desaparece. “Todo o mundo fazendo o mesmo leva a um empobrecimento. E, de alguma forma, trata-se como produzir a diferença. É por isso que não pode haver uma receita que diga: ‘Tem que ser dessa maneira. Um artista tem que ser assim’. É algo que tem realmente a ver com encontrar seu próprio caminho.” O curador afirma que estamos vivendo uma grande transformação no mundo da arte. “É possível ver ao longo do século 20, havia uma corrida para ser o centro absoluto do mundo da arte, com Paris, Nova York e Londres disputando, mas agora vemos isso na China, na Índia e em lugares como o Brasil. Existe uma verdadeira polifonia. “É uma mudança importante no mundo da arte”, celebra o suíço.









PREÇO E VALOR



O que torna um objeto uma obra de arte? A resposta está na história recente.



A Pop Art veio com a famosa lata de sopa Campbell’s de Andy Warhol e uma geração de artistas, como Roy Lichtenstein, que nos anos 1950 criava baseada em material de publicidade, quadrinhos e ideias dominantes na cultura de massa - uma reação contrária ao expressionismo abstrato da época. Era pop porque estava no imaginário coletivo. Era arte porque supostamente combinada com outras ideias, levava ao conceito de fine art.



Warhol foi muito valorizado em vida. Ele desafiava a arte pintando produtos de marcas americanas, notas de dólares e celebridades. Sua técnica de impressão em tela trouxe inovação e marcou um estilo. O homem que fez da arte dinheiro assumia sua inclinação capitalista publicamente em citações marcantes como: “Fazer dinheiro é arte; trabalhar é arte; fazer bons negócios é a melhor arte”. Ou então: “Uma senhora amiga minha me perguntou: ‘O que você mais ama? ’ Foi assim que comecei a pintar dinheiro”.



Outros artistas tornaram-se conhecidos por escandalizar o mundo da arte e trazer ideias absurdas como questionamentos, consideradas anti-arte. Com o trabalho Fountain, o francês Marcel Duchamp desafiava a criatividade individual e redefinia arte ao apresentar um mictório como obra artística em 1917, criando o conceito intitulado Readymades (Coisas prontas). Apesar de rejeitado na época, o mictório é um marco, grande atração do Centro de Arte Moderna George Pompidou, em Paris. Em 2009, o Pompidou apresentou, com grande importância, a mostra Vazios. A exposição, uma retrospectiva de 51 anos de exibições, trazia cinco salas completamente vazias. As paredes eram brancas e os pisos, vazios. A iluminação foi arranjada tão cuidadosamente como para qualquer outra exposição temporária. Os guardas olhavam com desconfiança para se certificar de que os visitantes não tocassem em nada - a diferença é que não havia nada para ser tocado. Nove artistas foram responsáveis pela exibição do nada: um passeio de reflexão e alta carga de interpretação. Os visitantes se olhavam sem compreender, entre sorrisos amarelos. O catálogo de 500 páginas era vendido por US$ 50 e o ingresso, em torno de US$ 13. A ideia já havia sido experimentada na Bienal Internacional de São Paulo e, anos antes, no museu Tate Britain, em Londres.



TALENTO BRASILEIRO

Helio Oiticica, José Damasceno, Lygia Clark, Lygia Pape, Vik Muniz, Rivane Neuenschwander e Beatriz Milhazes são alguns nomes de artistas contemporâneos brasileiros reconhecidos internacionalmente. O interesse pelas artes do país pode também estar no preço. “Quando comparados a nomes internacionais, são bastante razoáveis", afirmou Isabel Mignoni, diretora da Galeria Elvira Gonzalez, de Madri, uma das mais prestigiadas da Espanha. A galeria exibiu uma mostra individual do carioca Waltércio Caldas em que as esculturas mais caras estavam na faixa dos US$ 73 mil.











Beatriz Milhazes, também carioca, é reconhecida pelo uso de cores vibrantes e sedutoras, muito influenciada pela natureza e o carnaval do Rio de Janeiro. Seus quadros foram exibidos em museus de Nova York e Paris, e um de seus trabalhos estará no próximo leilão da Christie’s, neste mês, com valor inicial de US$ 200 mil.



Lygia Pape, falecida em 2004, foi citada por Hans Olbrist como exemplo de talento brasileiro na arte contemporânea. Ao lado dos colegas Helio Oiticica e Lygia Clark, foi uma das fundadoras dos movimentos Concretismo e Neoconcretismo, que visava expandir as dimensões da arte. A escultura geométrica de alumínio Bicho (1960) esteve em leilão na Inglaterra mês passado pelo valor de US$ 275 mil.



Outro artista de sucesso e exemplo de criatividade é Vik Muniz, que desafia conceitos usando material comestível. Assim já fez duas réplicas de Mona Lisa, de Leonardo Da Vinci, usando geleia e manteiga de amendoim. Também trabalhou com açúcar, fios, arame e xarope de chocolate para uma recriação da Última Ceia, de Da Vinci. Ele registra seus trabalhos em fotografia e apresenta as imagens em suas exposições. Vik teve obras exibidas no museu Victoria & Albert, em Londres, e no MOMA, em Nova York, além de outros renomados museus e galerias.



ESTRELA DA MORTE

Recentemente, Damien Hirst citou Van Gogh como talvez o exemplo mais pungente de um artista pouco apreciado em vida e cuja fama e valorização surgiram somente muitos anos após sua morte. O holandês ficaria orgulhoso ao ver as filas gigantescas na porta da Academia Real de Artes, em Londres, para a exposição que revela sua correspondência. “Sempre foi meu desejo pintar para aqueles que não sabem o lado artístico da pintura”, revelou Van Gogh em uma de suas cartas. Entre autorretratos, paisagens, girassóis e ciprestes, ele tem os trabalhos mais caros e famosos do mundo na atualidade.



Outros exemplos de sucesso póstumo são os britânicos William Hogarth, Thomas Gainsborough e Joseph Mallord William Turner, este último famoso por suas pinturas de paisagens e marinhas. Todos tiveram muito poucos admiradores em vida e foram duramente criticados e condenados. Sobre o valor da morte para o sucesso, Warhol dizia: “A morte significa muito dinheiro, querido. A morte pode realmente fazer você virar uma estrela”.













LIQUIDAÇÃO

De acordo com o anuário publicado pela Sotheby’s em março deste ano, 2009 trouxe queda de 30% nas vendas de obras de arte. Um novo efeito Damien Hirst parece improvável. Desde o famoso leilão em 2008, Hirst não tem vendido seus trabalhos com a mesma força e muitos preços caíram pela metade em leilões mundo afora.



Durante os primeiros seis meses do ano passado, nenhum trabalho foi vendido por mais de US$ 10 milhões. O preço mais alto alcançado foi de US$ 7,9 milhões, em maio, por uma pintura de David Hockney (1966), Beverly Hills Housewife, negociado na Christie's.



“Na época da crise, as pessoas não sabiam o que a arte ou eles mesmos valiam", explicou Francis Outred, diretor europeu do Departamento de Arte Contemporânea da Christie's. "Os compradores estavam trocando olhares na sala de vendas do leilão e esperando que alguém desse o lance."



Uma tela do pintor britânico Jenny Saville, conhecido por seus retratos de pessoas nuas um pouco acima do peso, foi colocada à venda pela Christie's na Feira de Arte de Maastricht, em 2007, por US$ 1,4 milhão. Acabou leiloada em Londres em fevereiro de 2009 por metade desse valor. Em abril de 2008, uma pintura do artista chinês Zhang Xiaogang, Bloodline (Big Family) Número 3, foi vendida por US$ 6,1 milhões, um recorde para um artista chinês contemporâneo. Mas, em novembro do mesmo ano, outra pintura dessa série alcançou “apenas” US$ 3,4 milhões.



200 notas de um dólar, de Andy Warhol, tornou-se a obra contemporânea mais cara vendida em 2009: US$ 43,7 milhões. "Foi o acontecimento mais importante da temporada", comentou Tobias Meyer, diretor mundial do Departamento de Arte Contemporânea da Sotheby’s. "Até então, nada era negociado acima de 20 milhões de dólares no mercado.”



O boom da arte contemporânea estava associado ao estouro da oferta de crédito. Assim como os valores do sistema econômico foram abalados com a crise, também foram as artes nesse período. A recessão não só refletiu nos preços, mas na maneira como a crítica define suas preferências. Na lista dos 100 nomes mais poderosos do mundo da arte, publicada anualmente pela revista Art Review, Damien Hirst tombou do topo para o 48º lugar. O artaholic Charles Saatchi, hoje muito associado com a arte de dez anos atrás, caiu do 14º para 72º. ©











O LIXO DA ARTE



Um experimento provocante do artista Michael Landy chegou ao fim mês passado em Londres: O lixo da arte. Durante seis semanas ele convidou pessoas a jogarem fora trabalhos colecionados, usando uma enorme vitrine transparente de 2 metros. A curiosidade era saber do que o público estaria disposto a se livrar. Mais de mil peças foram descartadas por mais de 400 pessoas. Era a celebração do fracasso artístico. Landy, que faz parte da geração de jovens artistas britânicos (YBA), iniciou o experimento rejeitando o que não o satisfazia, entre eles um gigante quadro de Damien Hirst, uma caveira resplandecente que parecia estar sorrindo à destruição acumulada em torno dela. Havia algo de bonito em ver a maneira como aquelas obras voavam em queda livre se espatifando em pedaços. Era a aniquilação da arte.



Estudantes, pessoas comuns e galerias deram sua contribuição enviando artes consideradas inúteis e sem valor. No fim do experimento, todo o material foi enviado para reciclagem e a maior parte doada para estúdios e escolas de arte.



Apesar de ter acumulado muita coisa, poucas obras mostraram-se profundas o bastante para fazer o experimento bem sucedido. “Não acho que poderia fracassar nunca”, comentou Landy. “Não importa o número de obras de arte na lixeira. Esses trabalhos descartados podem ter sido fracassos individuais, mas acho que todos juntos são um grande sucesso.” Landy ficou famoso por seu gosto pela destruição. Em Break Down (2001), ocupou uma área vazia de uma loja de departamentos na movimentada Oxford Street de Londres e destruiu sistematicamente mais de sete mil objetos pessoais, incluindo seu carro e passaporte.